domingo, 4 de outubro de 2009

Mesa redonda no Vozes de Mestres - CCBB Itinerante 2009 - Joinville

Na mesa: eu, mestre João Schmitz, professor José Jorge e mestre Gildo Quitino

Oi minha gente!

Em Joinville tivemos em nossa mesa redonda as presenças dos mestres Gildo Quintino, do Boi de Mamão Entre Parentes, e João Schimitz, do Terno de Reis Estrela Guia, além do etnomusicólogo da UnB, Universidade de Brasília (Departamento de Antropologia), José Jorge de Carvalho.

Os dois mestres são de fato apaixonados pelo que fazem. Quando falam de suas experiências, os olhos brilham... Parecem duas crianças, cheias do vigor e da alegria próprios daqueles que vivem a vida para valer. Mestre Gildo Quintino nos trouxe inúmeras questões interessantes. "Tudo que a gente não repassa para a frente acaba no fundo do baú", foi sua primeira fala.

"Então, desse modo, resolvemos ativar essa brincadeira na nossa família mesmo. Primeiro, eu e meus irmãos, como forma de alegrar nossos pais. Agora, já temos os filhos e netos. Por isso é que botamos o nome de "Entre Parentes". São 22 pessoas. Todas da família", diz.

"Lá no início, quando a gente resgatou o Boi de Mamão, a gente pensou: vamos fazer a brincadeira sim. A gente sabe fazer o boi, sabe cantar e sabe tocar. Atualmente, nós já estamos lincados com a educação. Temos projetos com algumas escolas para passar para frente a história do Boi de Mamão. E isso é um desafio e dos bons. Estamos na estrada também; viajando e mostrando o nosso boizinho", diz sorrindo.

"Eu gosto do que faço!", afirma categoricamente. "Eu olho para uma pessoa, tiro verso, faço desafio. Eu tenho esse dom", revela. "Eu ensino a criançada a fazer o boi. Tenho uma oficina de construção de Boi de Mamão. E sou perfeccionista. Quando não fica bom, desmancho e faço outro. Para isso não precisei de estudo. Quando alguém me pergunta se sou letrado respondo que sei o suficiente para ninguém me lograr", continua.

"Para brincar o boi não tem idade. É de 2 a 100 anos! Meu netinho de um ano e meio fala poucas palavras e uma delas é boi! O outro, de sete anos, já faz quatro personagens", finaliza orgulhoso.

Mestre Gildo Quintino prepara para 2010 o Encontro Nacional de Folclore, em Joinville, e diz que o poder público tem que investir mais e pegar a vontade e o trabalho que os mestres da cultura popular têm e fazer florescer. Segundo ele, essa é a missão do Estado.

Mestre João Schmitz nos conta que se "apaixonou pela cultura popular" muito cedo. Seu Terno de Reis Estrela Guia trabalha com composições próprias e também é familiar. "Todos participam. Tocam e cantam. O que podemos fazer de melhor é deixar para as futuras gerações aquilo que nós acreditamos", avalia.

O que mais entristece João é que a surpresa que é uma das características mais marcantes da Folia de Reis está cada vez mais impossível. "Antigamente, a gente chegava sem avisar. Hoje, as família pedem para avisar por causa da violência", diz.

Desde os 14 anos, mestre João Schmitz está no Terno de Reis. Seu pai tocava Gaita de Ponto. Assim, vendo o pai, foi "pegando experiência". Em 1975, se dedicou a resgatar o Terno de Reis em Joinville. Hoje, existem mais de 20 grupos atuantes.

Para ele, a ligação com o sagrado é o mais bonito da cultura popular. "Desde a hora de compor, eu me recolho e invoco a ajuda do alto. As canções sempre trazem mensagens de paz, alegria, amizade. Aí falam do nascimento de Jesus, dos reis magos, da vida de Maria. Depois, agradece e se despede dos donos da casa", ensina.

Para o mestre João, garantir que todos os ternos tenham um tratamento igual nos palcos dos festivais que participa também é muito importante. "No palco, todo mundo é igual!", conta.

O professor José Jorge jogou luz em várias questões que passeiam em torno da cultura popular e ainda não têm respostas satisfatórias. "Quando participo de encontros como esse e escuto as falas dos mestres, tenho a impressão de viver em dois brasis bem distintos. Dois brasis que não conseguem se conciliar. Quando você viaja e está em momentos como este que estamos agora, você vê um Brasil, mas quando você liga a TV, é outro Brasil. Esse não está lá, assim como não está na universidade também. A não ser em pequenas doses, em programas bastante específicos e raros que existem na TV Educativa".

Para José Jorge, o maior desafio é aproximar esses dois mundos. "Encontrar projetos que a médio prazo unam os mestres, a universidade, a escola secundária", diz confiante. "Incluir os saberes, as artes e os ofícios da cultura popular é a nossa meta. Na Universidade de Brasília, que é a instituição onde atuo, estamos discutindo a criação de cursos livres de artes e ofícios, no quais os mestres da região centro-oeste serão os professores. Essa reflexão já está em fase bastante avançada", continua entusiasmado. segundo ele, é necessário que a gente gere uma consciência a respeito do assunto.

E essa é uma das missões do Vozes de Mestres. Gerar consciência, através de um tipo de encontro capaz de trazer novamente questões como essa à baila para que pelo menos elas sejam conversadas pelos que se interessam. Fazer que com esses encontros sirvam para que essas pessoas que se interessam se conheçam pessoalmente, reflitam e troquem experiências e informações das realidades fora de sua comunidade.

É preciso muita determinação, paciência e fé para tratar de assuntos que dão trabalho. Mas, quanto mais eu viajo pelo Vozes de Mestres Brasil afora, mais percebo e concluo que a cultura popular é remédio para a alma e está se transformando, ainda que lentissimamente, num eficiente remédio para nossas mesas. Gera riquezas e está, com certeza, entre os indicadores financeiros que faz o Brasil crescer...

VOZES DE MESTRES - SEMINÁRIO
O seminário "Brasil: quem somos nós? E como chegamos a ser o que somos...?" cria raro lugar para a voz dos mestres de ontem, hoje e amanhã, promovendo encontros e conexões não menos raras. Quanto mais vivemos, mais descobrimos que tudo nessa vida é herança. Diz a canção do mestre Gonzaguinha: "Toda pessoa sempre é marca das lições diárias de outras tantas pessoas". Hoje andarilho sedento, amanhã fonte que saciará a sede de muitos. Assim foi. Assim tem sido. Assim é a humanidade "desde que o mundo é mundo", como dizem os antigos. Os saberes vão passeando de mão em mão, de gente em gente, de geração em geração. Criar um espaço para ver o Brasil passar fervorosamente, sem parar, é o que nos levou a "inventar" essa oportunidade de ternura e troca tão necessárias para curar a infeliz aspereza dos dias atuais...

Déa Trancoso a serviço do Festival Internacional Vozes de Mestres - CCBB Itinerante 2009 . dia 19 de setembro de 2009, 19h, no no Cau Hansen - Centro de Convenções Alfredo Salfer - Joinville/SC

FOTO DIANA GANDRA

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